A VIDA NADA SECRETA DE UM PAI TETRAPLÉGICO

Há nove anos eu vivo uma experiência tão maravilhosa quanto simples. É isso mesmo! Ser um “pai de rodinhas” é maravilhoso e simples ao mesmo tempo! Sobre o primeiro adjetivo, ele é perfeitamente compreensível. Quanto ao segundo, ele não está inserido na acepção obtusa ou depreciativa da expressão. A simplicidade contida aqui não se justifica porque considero nossa história comum e banal. Mas também eu não a rotulo como excepcional. Diferente sim. Da mesma forma, nossa vivência não deve ser vista como algo complexo e complicado, afinal, minha filha descomplica tudo.

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Confesso que desde o início de “nossa” gravidez eu já refletia sobre como eu viveria a paternidade, e pensava constantemente: – Como será a percepção dela diante das restrições físicas do papai? Como ela lidará com esta situação? Como poderei ajudar Elis a cuidar do nosso bebê? – Que bobagem!

Nosso relacionamento sempre foi pautado pela naturalidade e espontaneidade, e hoje posso afirmar que ADAPTAÇÃO é a palavra-chave. Ela tem uma incrível habilidade em ajustar nossas brincadeiras, de forma que eu possa participar, e isso se deve, sobretudo, ao seu olhar em relação à minha “diferença”.

A reação e o comportamento de uma criança quando vê o “diferente” é sempre com a intenção de investigar. Trata-se de um deslumbramento ingênuo e de uma disposição em conhecer o “novo”, próprios da infância, diferentemente do adulto, que, carregado de conceitos e pré-conceitos, muitas vezes se distancia daquilo que diverge dos padrões.

No caso da Lavínia, no que diz respeito às relações humanas, suponho que ela já entendeu a essência (ou a regra) da vida: Tratar com igualdade, respeitando as diferenças.

Para minha filha, eu não sou um papai especial só por causa da deficiência. Eu sou simplesmente seu papai, que possui sim características e necessidades específicas, com as quais ela convive desembaraçadamente, apenas se adaptando conforme exige nossa rotina.

De fato, ela é muito consciente e sensível quanto as minhas limitações, tanto que, ao longo do tempo, nossa princesa desenvolveu interessantes percepções sobre as melhores maneiras de agir e interagir comigo. Os poucos movimentos que possuo são, para ela, um verdadeiro espetáculo! E eu percebo que ela os valoriza, por mais insignificantes que sejam. Seu comportamento e suas falas demonstram isso.

Certa vez, ao flagrar meu dedo polegar se mexendo, meu baby manifestou uma grande surpresa! Com os olhinhos arregalados, ela gritou, entusiasmadíssima: – Olhaaa Paaaiii!!! Sua mão tá se mexendoooo!! Que legaaaal!!!

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Em outra ocasião, Lavínia demonstrou sua capacidade em criar alternativas que possibilitam nossa interação. Lembro-me de uma tarde de domingo, durante um caloroso e bagunçado debate, entre nós três. O assunto debatido não importa, pois o que mais me marcou foi a solução que ela encontrou num momento de impasse. De repente, nossa pequena mediadora tentou organizar o falatório, determinando que, quem quisesse falar, teria que levantar o braço. Inconformado com a regra, a questionei: – Peraí, mocinha! Então eu não vou falar mais?! Esqueceu que eu não consigo levantar o braço? E, imediatamente, veio a proposta: – Tá bom pai! Você levanta a língua!

Isso não é admirável!?!

Eu já afirmei em outros textos que o exercício da paternidade/maternidade fundamenta-se basicamente na participação e presença dos pais na vida da criança. Entretanto, não é só isso. Educar requer responsabilidade, empatia, compreensão e respeito mútuo. E para conjugar na prática os verbos ‘cuidar’ e ‘amar’ é preciso saber ouvir, dialogar, explicar as consequências das escolhas, ensinar pelo exemplo, colocar limites, acolher nas horas de dor, seja física ou emocional, entre tantos outros requisitos e desafios.

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A diversidade que compõem nossa convivência deve ser considerada. Na verdade, ela é um fator que não é subestimado e nem superestimado, no sentido de situá-lo em primeiro plano, e muito menos tratado como um problema. Refiro-me à minha limitação motora. E é exatamente por causa dela que nós sempre encontramos um jeito próprio e peculiar para vivermos nossa deliciosa rotina diária.

Ainda sobre as peculiaridades que nos rodeiam… Uma delas consiste no fato de eu nunca ter brincado de “aviãozinho” com a colher, na hora de suas refeições. Mas o contrário já aconteceu! Áh! E ela também já lavou minha cabeça, vestiu uma camiseta em mim, escovou meus dentes, etc etc etc. E por falar em “aviãozinho”, frequentemente eu revivo na memória um episódio que nos marcou muito. Foi durante a primeira amamentação de nossa bebê em casa. Isso aconteceu por volta das 18h00, no dia em que as duas saíram da maternidade. Esse fato seria comum, se não fosse por um detalhe inusitado: enquanto Lavínia era alimentada pela mamãe, eu, ao lado delas, era alimentado pela vovó, ou seja, pela minha mãe. Foi uma cena sublime e inesquecível!

Eu expresso meus sentimentos de forma sutil e leve, porque a tetraplegia faz com que pequenos gestos sejam valorizados, por mim e por elas. Um toque meu em seus rostos contém a mais pura expressão do amor. E as duas sentem isso! Sendo assim, não poderia ser diferente nos momentos de afeto e carinho. Por exemplo, quando eu quero abraçar a filha, a mãe me ajuda, levantando e segurando meus braços sobre ela… e quando é a vez da mãe receber meu abraço, a filha me ajuda, da mesma maneira.

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Então… Nossa relação é assim: Simples, intensa, honesta, pura e cheia de graça!




A vida é da cor que a gente a pinta.